2006-08-28

O homem da décima primeira hora

Um dos ladrões crucificados com Jesus gritava: “Lembra-te de mim, Senhor! Para Ti que me volto neste momento. Não Te falo das minhas obras, porque elas me fazem tremer. Qualquer homem tem boas disposições relativamente aos seus companheiros de viagem; eis-me aqui, Teu companheiro de viagem para a morte. Lembra-Te de mim, teu companheiro de viagem, não apenas agora, mas quando chegares ao Teu Reino” (Lc 24, 42).

Que poder te iluminou, ó bom ladrão? Quem te ensinou a assim adorar Aquele que foi desprezado e crucificado contigo? Ó Luz eterna, que iluminas aqueles que se encontram nas trevas (Lc 1, 79)! “Tem coragem! Em verdade te digo, que hoje estarás comigo no paraíso, porque hoje ouviste a Minha voz e não endureceste o coração” (Sl 94, 8). Por ter desobedecido, Adão foi rapidamente expulso do jardim do paraíso. Tu, que hoje obedeceste à fé, serás salvo. Para Adão, a árvore foi ocasião de queda; a ti, a árvore far-te-á entrar no paraíso.

Ó graça imensa e inexprimível: ainda Abraão, o fiel por excelência, não tinha entrado, quando o ladrão entrou. Espantado com o facto, Paulo comenta: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rom 5, 20). Aqueles que haviam penado todo o dia ainda não tinham entrado no reino e ele, o homem da décima primeira hora, é admitido sem tardar. Que ninguém murmure contra o Mestre: “A ninguém faço injustiça; não terei o poder de fazer o que quero em Minha casa?” O ladrão quer ser justo, Eu contento-me com a sua fé. Eu, o Pastor, encontrei a ovelha perdida e pu-la aos ombros (Lc 15, 5), porque ela Me disse: “Errei, mas recorda-Te de mim, Senhor, quando entrares no Teu reino.

São Cirilo de Jerusalém (313-350), bispo de Jerusalém, doutor da Igreja

2006-08-20

A Caminho de Santiago

Dia 1

Depois de uma reunião para preparar o Encontro Nacional de Convivas chegamos ao Seminário de Aveiro por volta da 1h. A hora marcada para a partida era 6h. Como eu já tinha tudo pronto programei o despertador para as 5h dado que só necessitaria de acondicionar melhor as coisas na mochila. O Pe. Rui Barnabé é que tinha que fazer a mochila e por isso tinha o despertador programado para as 4h.
Ás 5h eu acordo, trato da minha higiene pessoal, e vou ver se o Barnabé já tem a mochila pronta para tomarmos o pequeno-almoço. Chego á porta do quarto e ouço o despertador a tocar. Penso que talvez tivesse descido e esquecido de desligar o despertador. Bati, entrei e lá estava ele, à mais de uma hora a dormir ao som do despertador. Como devem imaginar a hora seguinte foi de uma correria terrível, até porque a hora de saída estava combinada com o Pe. Manuel Augusto que nos deu boleia até Valença. O que abonou a nosso favor foi o facto dele também se ter atrasado, o que fez com que não tivesse que esperar muito por nós.
Depois de todos os contratempos lá saímos de Aveiro perto das 7h. Durante a viagem ainda fizemos uma paragem na Área de Serviço de Barcelos.
Chegados a Valença foi pôr a mochila ás costas, tirar a foto de partida e começar a caminhar, eram cerca de 10h.
As primeiras passadas foram dadas dentro das muralhas de Valença onde nos deslocamos aos Paços do Concelho e à Igreja Paroquial para conseguir os primeiros “sellos” na Carta de Recomendação. Daqui saímos em direcção à Ponte Internacional de Valença/Tuy. A travessia do Rio Minho faz-se por esta desde 1884. Até então a travessia era feita de barca. Os portos de atracagem ainda permanecem nas margens do rio. Já a utilidade destes é diferente em cada margem. Na portuguesa é usada pelo pescador “tuga” e na galega por uma escola de canoagem.
Depois da ponte o caminho segue em direcção ao porto da margem tudense e daqui em direcção ao Centro Histórico de Tuy. Neste, apesar de todo ele ser feito de belas ruinhas, destaca-se a Catedral de Santa Maria de Tuy.
À saída de Tuy o Barnabé tem que atender uma chamada e logo em seguida eu também e seguimos pelo caminho que conhecíamos sem repararmos que a sinalização nos indicava um desvio. Lá seguimos até que encontramos o caminho cortado. Lá fizemos mais uns 600m que o previsto.
Continuamos o caminho com uns troços por caminhos rurais e outros por estrada, passando pela capela da Virgem do Caminho até chegar ao bosque. Neste passamos no cruzeiro que assinala o local onde São Telmo terminou o seu caminho para Santiago e para a vida. Ainda nos queixamos nós das bolhitas!!
Passamos Ribadelouro, o fedorento vale do Rio Louro, muito poluído pela Zona Industrial do Porriño e chegamos a Obernelle onde fizemos uma pausa para almoço, eram cerca de 12h30.
Depois de almoço vimos que para chegar a Redondela como planeado não podíamos evitar o calor da sesta. Assim ás 14h estávamos a partir para enfrentar a terrível recta do Polígono Industrial. E vocês perguntam terrível porquê? Não é uma subida nem descida difícil, é simplesmente uma recta quase plana, com 2.3km de extensão e sem uma única sombra. Razões suficientes para deixar qualquer peregrino de rastos, principalmente na hora da sesta. Mas nós demos-lhe com força e em menos de meia hora fizemos aquilo. Claro que, assim que chegamos ao Porriño, entramos num bar perto do Ayuntamiento e bebemos duas Kas Limon para aliviar o terrível calor que se abatia sobre nós. Por aí ficamos cerca de uma hora.
Saímos do Porriño por volta das 17h, onde temos a registar o belo edifício do Ayuntamiento, e passados 1.5km encontramos um jovem galego que, em tom de gozo, nos diz que parecemos cansados. Que grande novidade!!! E passado uns metro o Rui sente dores num dos pés. Parecia ser o pé a querer abrir, algo que não se veio a confirmar.
Seguimos para o município de Mós onde na paróquia do Castro encontramos uma bela Igreja e logo acima o Albergue de Mós. Seguimos pela difícil subida da Rua de Caballeiros onde encontramos uma fonte com água fresca para encher o cantil. Continuamos até ao Milladoiro, marco que fazia parte da sinalização da Via Romana que por ali passava, e a seguir um megalítico protegido com uma cobertura em chapas metálicas (não tem nada a ver).
Antes da descida para Chan de Pipas, estando já com o bicho a morder, paramos num minimercado onde comprei uma embalagem de Danoninhos que desapareceram num abrir e fechar de olhos.
Depois da íngreme descida para Chan de Pipas foi ver o Barnabé, já recuperado a impor um ritmo fortíssimo para chegar depressa a Redondela e eu a sofrer atrás dele. Chegamos a Redondela ás 20h30 e o Barnabé encontra dois amigos dos tempos de Escuta estudante em Coimbra, o Tójó e o Pimenta, que também estavam a fazer o Caminho. Então entramos no Albergue, também conhecido como “Casa da Torre”, onde a hospitaleira nos diz que se tivéssemos chegado meia hora depois teríamos ficado na rua. Coisas da vida.
Depois de um belo banho fomos jantar um hambúrguer a uma agradável esplanada onde nos detivemos na conversa por cerca de uma hora apesar do cansaço de ambos. Entretanto ainda fui procurar uma farmácia pois senti que em breve precisaria de Compeed mas a farmácia de serviço ficava a 4km de Redondela.
Regressamos ao Albergue por volta das 22h30 onde o Barnabé ainda pôs a conversa em dia com o Tojo. Eu cá aproveitei para tentar dormir alguma coisa.

E assim terminou o 1º dia.


Dia 2

A ideia era levantar ás 7h30 mas por volta das 4h30 os madrugadores começam a levantar-se para um dia de caminhada. Eles até nem faziam muito barulho mas andava lá um espanhol com uma lanterna na cabeça que, andando à procura de algo que lhe faltava, apontava a lanterna em todas as direcções. Pelo incómodo acho que o posso denominar de “Farol de Redondela”.
O alvoroço só acalmou depois das 6h e nós acabamos por nos levantarmos às 7h.
Depois de nos equiparmos fomos a um minimercado comprar leite e fruta para o pequeno-almoço. Ainda passei por uma farmácia mas só abria ás 8h30. Como ás 8h estávamos prontos para partir decidi que podíamos seguir até Arcade, cerca de 8 km adiante, onde ficam as farmácias seguintes, embora o Pimenta estivesse reticente relativamente ás suas bolhas.
Saímos de Redondela passando pela Igreja de Santiago e em 30 minutos estávamos a iniciar a subida para o Alto da Lomba. A meio da parte mais difícil da subida temos a Fonte Outeiro de Penas onde pudemos refrescar-nos porque o calor estava a apertar. Alem disso o Pimenta estava a dar sinais de fraqueza.
Na descida antes de chegar a Arcade conseguimos ter uma bela vista sobre a Ria de Vigo. Mas aqui o Pimenta ainda se queixava mais.
Em Árcade, depois de “sellar” as credenciais seguimos o caminho pelas ruas históricas de Árcade até que fizemos um pequeno desvio para ir à farmácia.
A farmácia parecia o ponto de encontro da vila. Estava tanta gente que estivemos quase meia hora à espera de vez. Quase por sorte conseguimos a ultima caixa de Compeed que havia na farmácia.
Daí fomos até Pontesampaio onde paramos para aplicar os Compeed. Aí é k tivemos a noção da dimensão das bolhas. Para as minhas e para a do Tójó o Compeed era grande mas para as do Pimenta estava mesmo no limite. Por isso é que o rapaz se queixava.
Depois de encontrarmos o tasco que o Barnabé conhecia encerrado lá seguimos rumo a Pontevedra. Atravessamos as terríveis calles de Pontesampaio e descemos até à Ponte Nova onde, por uma calçada antiquíssima, alguns guiões dizem ser romana, subimos até ao Alto de Canicouba.
Começa a descida e nós não tínhamos água. Não havia onde a comprar e a Fonte de Figueirrido, a única na descida, estava seca. Seguimos com bastante sede e alguma fome até ao fim da descida fazendo uma pequena pausa em Boullosa.
Depois da capela de Santa Marta lá surgiu um minimercado que, pela postura do senhor, devia estar a fechar para almoço. Lá o convencemos a trazer-nos duas garrafas de água. Só não pedimos nada para comer porque estávamos a menos de 500m de um bar, que eu conheço, onde podíamos comer uns bocadillos.
Lá seguimos debaixo de um calor tórrido, mas sem sede, até ao barzito. Azar dos azares este também estava fechado. Paramos um pouco para aproveitar a sombra e seguimos até Pontevedra.
O calor estava a tornar-se infernal e com o aproximar de Pontevedra acelerei o passo para chegar depressa ao Albergue. Aí viam-se os primeiros sinais dos incêndios que marcariam os dias seguintes em toda a Galiza.
Comecei a tomar consciência que seria difícil, com o calor que se fazia sentir, fazer mais 16km até Briallos como fazia parte dos nossos planos. Isso fazia com que no dia seguinte tivéssemos que fazer 42km até Padrón. Caso contrário teríamos que fazer mais um dia de caminhada.
Chegados ao Albergue tomei conhecimento da existência de um outro albergue 10 km adiante, em San Mauro. Isso faria que no dia seguinte a a etapa fosse de 32km. Algo que do meu ponto de vista tornava as coisas mais fáceis.
Tomamos um banho, lavamos alguma roupa e fomos almoçar ao Centro Comercial da Estação de Pontevedra.
Durante o almoço manifestei, apesar de algumas dificuldades que estava a sentir por causa do calor, o interesse em seguir caminho até San Mauro. O Pimenta mostrou-se bastante reticente porque, apesar do Compeed estar a sugar o líquido das bolhas, estas continuavam a causar-lhe algum incomodo e a alastrar para além da área do Compeed. Além disso também disse que ele e o Tójó haviam pensado o Caminho em etapas mais curtas que nós e, apesar de estar a gostar da nossa companhia, achava que devíamos seguir o Caminho como havíamos programado. Como o Barnabé estava convicto que no dia seguinte convencia o Pimenta a ir até Padrón ficamos por Pontevedra. Eu continuo a pensar que era mais fácil convencê-lo a fazer mais 10km neste dia que a fazer mais 20km no dia seguinte.
Terminado o almoço fomos procurar uma farmácia ao centro de Pontevedra.
Ao chegar ao Centro Histórico começamos a ver alguns grupos de jovens com garrafões com uma mistura estranha lá dentro e com pistolas de água. “Deve ser o passatempo de sábado à tarde”, pensei eu. Mas a cada grupo estava associado um nome e uma imagem estampados na t-shirt e cada vez apareciam mais.
Também aqui havia muitas farmácias mas muitas delas fechadas. E entre cada farmácia mais grupos.
Começamos a reparar em algo comum a uma boa parte dos grupos. Nas imagens e nomes dos grupos havia referência à tauromaquia. Lembramo-nos logo do pior: “será que vão fazer uma largada pelas ruas de Pontevedra e nós não conseguimos correr?!” Então o Pimenta, na sua calma habitual, teve a brilhante ideia de perguntar a uma idosa [disse, “de certeza que conhece todas as farmácias”] onde ficava a farmácia de serviço e, já que estava com “a mão na massa”, o que se passava na cidade. A senhora lá nos indicou a farmácia e disse-nos que estavam a começar as festas da Virgem Peregrina e que havia uma corrida de touros, na arena, onde os jovens da cidade, com as pistolas carregadas de vinho e outras coisas, tentavam acertar no touro. “Cada tolo com a sua pancada”.
Lá fomos a caminho da farmácia e começamos a reparar que antes da tourada começar os “bezerros” dos grupos, para treinar a pontaria, iam atirando ás “toiras” e “bezerras” que apanhavam pelo caminho.
Na farmácia fomos muito bem recebidos por uma bela farmacêuta que atendeu cuidadosamente a todas as necessidades do Pimenta. Aliás, pelo que vimos, podemos concluir que Pontevedra é uma cidade muito formosa.
Depois de uma visita à Virgem Peregrina e uma canha (carita) bebida numa esplanada regressamos ao Albergue, comprando a janta pelo caminho.
Chegados ao Albergue comemos a bela da Piza e antes de deitar celebramos a Eucaristia.
Quando nos íamos deitar sai do Albergue um espanhol com um colchão na mão dizendo que estava um comboio lá dentro. De facto um senhor estava a roncar duma maneira incrível. Chegava a provocar o riso dos outros peregrinos.
Eu cá estava tão cansado que dormi mesmo com os roncos.

E assim terminou o segundo dia.


Dia 3

Neste dia levantamo-nos pouco depois das 5h e saímos do Albergue antes das 6h depois de no dia anterior eu ter prevenido os meus companheiros de que, se não o fizéssemos, eu aproveitava o facto de estar a 50m da estação para apanhar o comboio de regresso. É que com o calor era terrível caminhar entre as 12 e as 17h.
Passamos novamente pelo Centro Histórico de Pontevedra onde vimos um cenário semelhante ao de uma Queima ou Enterro mas em ponto pequeno. Pelos vistos a tourada continuou fora da arena. E no meio daquele cenário vemos um jovem a derreter-se aos pés de uma rapariga em pleno nascer de sol. E o Tójó pergunta-nos “Quem é que diz ao rapaz que se não foi até agora também já não vai?” Ainda vimos uma cena muito estranha, já próximo da ponte, mas esta eu não conto. E que tal voltarmos ao caminho?!
Saímos de Pontevedra pela Ponte do Burgo e depois seguimos pela Rua da Santinha, passamos por 3 “niñas” que se cruzaram connosco no Albergue de Pontevedra e ainda pelos “laranjas”, um grupo de malta mais velha que fazia o caminho a ritmo cruzeiro.
Possamos pela Igreja de Santa Maria de Alba e poucos metros acima vimos um cruzeiro em granito [encontram-se muitos pelos caminho] com uma imagem de Santiago na base.
Após a capela de S. Caetano seguimos por uma rua estreita até uma pequena localidade, a partir da qual o caminho, por ficar numa zona baixa e húmida, é em cascalho semelhante ao usado nas vias férreas, impedindo a água de chegar ao pé do peregrino, mas aleijando aqueles que fazer o caminho de sapatilhas ou sandálias. Foi das raras vezes que eu pensei que já devia ter umas botas de trekking.
No fim do empedrado fizemos a subida que nos leva a San Mauro onde paramos junto à sua fonte. A meio da subida o Tójó pegou na mochila do Pimenta pois este já ia no limite.
Em San Mauro o Barnabé e o Tójó desceram o pequeno vale em frente á fonte e foram a um canavial buscar duas canas para que, já que não o conseguíamos livrar da bolha, lhe arrastássemos a mochila e o aliviássemos desse peso. Entretanto passam por nós 3 “niñas”. O Pimenta, antes que eles regressassem, pegou na mochila e seguiu caminho. Eu fiquei à espera deles, preparamos as canas para o efeito e depois partimos ao seu encontro.
Antes de começarmos a subir para Valbon entramos num caminho de areão e pouco adiante encontramos uma mensagem escrita no chão que dizia “GUAPO PORTUGUÊS”. Calculamos que fosse o Pimenta a gozar connosco. Mas ele garantiu-nos que não foi ele e que pensava que teriam sido as 3 “niñas” a deixar a mensagem. Se assim foi, dado que éramos os únicos portugueses no caminho, resta-nos a dúvida de qual dos 4 era o guapo.
Depois foi mais um pouco de massacre para chegar a Caldas de Reis e ainda deu para errarmos o caminho em Briallos.
Em Caldas fomos ao Coléxio das Monxas tentar arranjar alojamento mas estas não nos podiam acolher porque estava a decorrer um congresso de vários colégios e já tinham as camas ocupadas.
Procuramos dormida noutros locais mas estava tudo lotado.
Fomos almoçar uns combinados numa casa de hambúrgueres e aí o Barnabé e o Tójó começaram a tentar convencer o pimenta a seguir até Padron. O Pimenta não estava animado com a ideia e disse que só seguia se, depois de ir ao Centro de Saúde, estivesse em condições físicas e anímicas para seguir.
É que Padron ficava a, no mínimo, 4 horas de caminho.
Fomos ao Centro de Saúde e, enquanto o Pimenta estava a ser atendido, tivemos uma breve discussão na qual eu disse que, alem de não me agradar ter que caminhar debaixo daquele calor, a partir do momento em que no dia anterior havíamos decidido ficar juntos em Pontevedra, deixamos de ser 2 grupos de 2 elementos e passamos a ser 1 grupo de 4 elementos. Assim sendo se o Pimenta não quisesse seguir eu estava com ele. Eles não ficaram contentes com a minha atitude mas foi a forma que encontrei para exprimir o incomodo que estava a sentir.
O Pimenta saiu e logo disse que não estava em condições de seguir naquele dia.
Depois de mais alguma procura para encontrar dormida fui com o Tójó aviar a receita do Pimenta à farmácia. Esta foi mais fácil de encontrar que as anteriores.
No regresso não podia deixar de passar na fonte termal de Caldas, onde banhei os meus pés e pernas naquelas águas escaldantes. Esta fonte foi construída em 1881 para que os peregrinos que ali passassem pudessem aliviar as suas dores. E acreditem que resulta.

Depois fomos até ao parque municipal onde estava a decorrer um torneio de caiaque pólo, no Rio Umia. Uns assistiam aos jogos enquanto os outros dormiam a “siesta” ao som das moscas.
Quando já estávamos a ficar desesperados por não termos onde dormir eis que um dos “laranjas” nos pergunta onde passávamos a noite. Quando lhe dissemos que estava tudo cheio ele logo nos disse que um amigo tinha conseguido alojamento numa residencial que facava antes da Ponte do Umia. Nós já lá havíamos passado mas a porta da frente estava fechada. Afinal tínhamos que ir pelas traseiras e a senhora ainda tinha quartos para nós. Problema resolvido.
Lá fomos para os quartos onde tomamos um banho rápido e seguimos para a Missa que tinha lugar na Igreja de Santa Maria de Caldas, também ela muito bela. O Barnabé co-celebrou a eucaristia com o Pároco de Caldas e até leu o Evangelho em castelhano enferrujado. Quando estava a sair vi os nossos amigos “laranjas” e logo o camarada que nos indicou a residencial me perguntou preocupado se tínhamos conseguido quarto. Quando lhe disse que sim ele esboçou um sorriso que me mostrou que o caminho é muito mais que caminhar e ver coisas bonitas.
À saída pensamos em jantar alguma coisa. Eu e o Tójó, quando estávamos a caminho da Igreja, vimos um tasco mesmo junto á ponte que estava aberta. Pensamos em ligar ao Pimenta que havia ficado a descansar durante a Missa mas depois lembramo-nos que lhe custaria descer as escadas e além disso ele já devia dormir.
Chegados ao tasco vimos mesas com toalha de plástico, bancos corridos e especialidade da casa “Viños e Tapas”. Alem disso aquilo parecia o Albergue de Pontevedra com tantos camaradas do caminho [só faltavam as 3 niñas].
Na hora de pedir lá escolhemos umas especialidades da casa e pedimos para conhecer um tal de Alvariño. Palavra puxa palavra e já estavam 3 Alvariños no buxo.
Nisto o nosso amigo dos “laranjas” que estava de saída convidou-nos para almoçarmos com eles em Santiago. Tenho pena de não nos termos encontrado mais.
E lá tivemos nós que sair também, não sem antes pagar a conta. A brincadeira não ficou barata mas digo que valeu a pena. Contudo como decidimos acordar ás 4h30 e só nos deitamos para lá da meia-noite a noite ficou curtinha.

3 Alvariños, 3º dia no buxo.


Dia 4

Toca o despertador ás 4h30 e o gajo vê-se á rasca para acordar. Pois não!! A malta deita-se tarde! Mas pensei cá para mim, “valeu bem a pena”.
Como no dia anterior nos entretemos muito com o Sr. Alvariño não compramos nada para o pequeno-almoço. Mas umas bolachitas deram para tapar o buraco.
O objectivo deste dia era Teo, embora estivéssemos condicionados pela condição do Pimenta. Em pouco tempo percebemos que o objectivo era alcançável.
Saímos da residencial ás 5h30 e eu estranhei o meu comportamento a caminhar. De facto as bolhitas estavam lá mas os músculos estavam soltos, coisa que eu já não sentia desde o primeiro dia de caminhada. Já não tenho dúvidas em que as águas termais de Caldas de Reis revitalizam um peregrino.
O Pimenta, apesar de não ter passado pela fonte termal, também se sentia muito bem. Dizia que o penso que lhe haviam colocado era muito confortável.
A saída de Caldas foi feita ainda de noite mas em breve o sol começou a espreitar. O caminho segue pelo vale do Rio Bermaña até subir para Santa Mariña de Carracedo. Durante a subida o Barnabé sentiu algumas dificuldades mas o pequeno-almoço estava ao cruzar da N550. Tomamos uma meia de leite e comemos uns mini croissants de pacote que nos souberam muito bem.
Retomamos o Caminho e o Pimenta continuava imparável á passagem pela Igreja de Santa Mariña e dos seus belos cruzeiros. Segui com ele até passarmos novamente pela N550 e entrarmos pelo caminho que nos leva até San Miguel de Valga.
Separamo-nos quando vem o Tójó a correr até nós a pedir papel higiénico. Como eu tinha o papel mais à mão fiquei com o Tójó e o Pimenta seguiu caminho.
Depois fui com o Tójó em boa passada até uns 4km de Valga onde uma pedrinha me estava a chatear. O Tójó foi atrás do Pimenta e eu fiquei com o Barnabé.
Seguimos e o Barnabé estava a caminhar em passo lento e estávamos a ficar muito atrasados relativamente aos outros dois. Pensei que não se estava a sentir bem e, como o Pimenta tinha que ir ao Centro de Saúde em Padrón antes de seguirmos para Teo, eu fui ao encontro deles preveni-los para que não esperassem por nós até Padrón. A diferença de ritmos era tão grande que para os alcançar à entrada de Valga eu tive que fazer 2km praticamente a correr, de tal forma que quando passei pelo “Farol de Redondela” e sua companheira ambos se assustaram [benditas águas de Caldas].
Depois aguardei pelo Barnabé, numa pequena cabana que fica por cima do cristalino Rio Valga, para saber se estava tudo bem com ele. Quando ele chegou junto de mim mandou-me seguir porque apenas queria estar um pouco sozinho. Certíssimo!! Siga o Caminho.
Voltei a encontrar o “Farol” numa fonte que ficava numa pequena ladeira, à direita, pouco antes da Igreja, onde pude atestar o cantil com água fresca.
Saí do caminho para tirar umas fotos á Igreja de San Miguel de Valga e quando regressei ao caminho o Barnabé já estava cerca de 300m adiante.
Segui o Caminho atrás do Barnabé até alcançar novamente o “Farol” e companheira, caminhando e conversando com eles. O rapaz até conhecia umas coisas de Portugal e do Caminho de Santiago [já era o quarto caminho diferente que fazia] e assim passei 5 bons km de caminhada.
Depois vi que já estava a ficar muito atrasado, despedi-me deles desejando-lhes “bon camiño”, expressão muito usada pelos peregrinos ao longo do Caminho.
Acelerei o passo e alcancei o Barnabé a chegar à Pontecesures. Atravessamos a ponte e caminhamos por entre campos até chegar ao rio Sar onde, segundo a tradição, chegou a barca que trazia o corpo de Santiago, vindo de Jerusalém, onde este discípulo de Cristo foi o primeiro dos 12 a ser morto em nome da Missão Evangelizadora. E então entramos em Padrón pelo Centro de Saúde à procura do Pimenta.
O homem tinha acabado de entrar para a enfermaria e como tinha a máquina fotográfica à mão tirou uma foto á enorme cratera que estava no lugar da bolha. Veio orgulhoso mostrar-nos essa foto pois no centro dessa cratera tinha uma zona mais vermelha que tinha a forma de um coração. Até na dor se consegue uma imagem tão bela.
Em Padrón visitamos a Igreja de Santiago onde, debaixo do altar-mor, se encontra o pedrón onde, segundo a tradição, foi amarrada a barca que trazia o corpo de Santiago, pédron esse que veio dar o nome à cidade.
Depois fomos procurar um Froiz [supermercado muito popular em Espana] que conheci aquando da minha peregrinação de 2004, mas não o encontrei. Também estava difícil encontrar um bar que servisse bocadillos ás 11h mas demos com ele. Parece que em Padrón o pessoal nunca tem fome ao meio da manhã.
Depois de saciarmos a nossa fome seguimos caminho passando pela Colegiata de Iria Flávia, que antes do aparecimento do túmulo de Santiago, por volta do ano de 810, era sede da Diocese. Sim, porque as peregrinações a Santiago deixaram de acontecer por volta do ano 250, quando o Imperador de Roma proibiu o culto a Santiago e destruiu todas as vias que levavam peregrinos até lá. Este foi descoberto por um eremita num monte a 15km de Iria Flávia e comunicado ao Bispo desta Diocese. Pouco depois a sede da Diocese passou para Santiago. Depois apanhamos um troço da N550 debaixo de um sol abrasador e, como estávamos na hora de almoço, com muito transito. Fomo-nos Arrastando até Esclavitude, onde chegamos pouco depois das 13h30. Aí paramos e estendemo-nos à sombra da sua enorme Igreja onde dormi uma bela “siesta”.
Contudo um dos muitos fogos que avistamos desde Pontevedra estava a aproximar-se da zona onde estávamos encontrando-se já próximo quando decidimos partir.
Ás 17h levantamo-nos e seguimos para a ponta final desta etapa chegando a Teo cerca das 18h30.
Em Teo encontramos o Albergue fechado mas estava na porta o contacto do Sr. Carlos. Indicava-nos também o local do telefone mais próximo que fica num tasco, cerca de 200m acima do Albergue.
O Rui e o Tójó foram até ao tasco e estava lá o Sr. Carlos que lhes deu a chave da casa e disse que passaria por lá mais tarde.
O Pimenta não estava satisfeito com o penso que lhe tinham feito em Padrón e precisava trocar o penso. O Sr. Carlos disse-nos para ligar o 112 mas aí ele não conseguiu nada. Teve que chamar um táxi para o levar ao Hospital em Santiago.
O Tójó preparou o jantar com umas iguarias compradas no tasco. Enquanto isso eu tive uma conversa com o Barnabé que me ajudou a esclarecer algumas coisas e depois fomos jantar.
Nisto o Pimenta chegou do Hospital e, depois dele ter jantado, celebramos a Eucaristia.
No fim da Eucaristia fomo-nos deitar.

Já lá vão 4.


Dia 5

Levantamo-nos por volta das 5h e eu e o Pimenta partimos logo em direcção à sanita. Algo no jantar nos provocou uma diarreia. Não foi um início de dia fácil para nós.
No dia anterior o Sr. Carlos aconselhou-nos a fazer 3km por estrada até apanhar de novo o caminho para evitarmos uma zona queimada. Assim começamos a caminhar antes das 6h por estrada.
Conforme as indicações apanhamos o caminho pouco adiante, mas ainda apanhamos uma zona queimada, entre cinzas e algum fumo, onde eu apanhei um pauzito com o qual deixei algumas mensagens riscadas no Caminho. Só me lembro de três das mensagens que escrevi. Estas foram “Vive cada dia como se dele dependesse o resto da tua vida”, “Força, Santiago está à tua espera” e uma que repeti vezes sem conta “sê feliz” ou “be happy”. Acho que dava para animar a malta para a ponta final da caminhada.
Íamos com a fé de em Nova Milladoiro apanharmos o bar do pavilhão desportivo aberto para tomar o café da manhã. Aliás, quando nos estávamos a aproximar, a indisposição voltou e eu já nem pensava no café mas na casa de banho. Aquilo é que foi dar-lhe, mas com jeitinho, até lá chegar. Mas não podíamos passar sem bater novamente com o nariz na porta. Até houve festa na “aldeia”, com carrosséis e barraquinhas. Só era pena não haver um cafezito aberto.
Para o café podíamos esperar por Santiago agora o meu serviço não podia esperar e assim que chegamos a um pinhal resolveu-se a questão.
Caminhando mais 1km avistamos ao longe as torres da catedral. A meta estava perto e eu continuava na minha, deixando uma mensagem do género “vê como está perto” ou algo parecido. E claro muitos “sê feliz” e “be happy”.
O caminho estava a terminar e, depois de atravessar o Rio Sar, era só subir até Santiago.
Passamos o bairro de A Choupana, com o seu belo jardim e a capela de Santa Marta, entrando na avenida Rosália de Castro. Esta avenida rende muito e por isso fizemos uma pausa para tomar uma meia de leite. É sempre, sempre, sempre a subir até à Iglesia del Pilar. Mas depois é só atravessar a estrada, entrar pela Rua do Franco e seguir até a plaza de O Obradoiro onde vemos a magnifica fachada da catedral, bem como todos os edifícios que a envolvem.
É maravilhoso, depois de tanto caminhar, alcançar a catedral. Depois da “foto de família”, com a catedral de fundo, entramos para assistir á missa do peregrino, que se realiza ás 12h de Espanha. O Rui, mais uma vez, foi co-celebrar mas desta não teve que ler em castelhano pois em Santiago já há missais em varias línguas.
No momento de acção de graças tive a oportunidade de, pela primeira vez, ver o magnífico botafumeiro da Catedral. É tão magnífico que, apesar de o celebrante ter explicado que não se trata de um espectáculo e qual a simbologia deste na celebração, toda a gente estava de pé a tirar fotografias e, no final, um enorme aplauso se ouviu na catedral.
Quando saímos encontramos o Pe. Virgílio e o seu sobrinho que nos foram buscar.
Seguimos com eles até à carrinha para deixar as mochilas e depois fomos almoçar decentemente a um restaurante que fica perto da igreja de San Martinho del Pinário. Terminado o almoço, enquanto o Pimenta e o Tójó foram buscar as Compostelas, nós fomos fazer a ultima visita á catedral, onde fomos ver o túmulo de Santiago e tentamos ir dar um abraço ao Santo, conforme a tradição. Digo tentamos porque a fila estava grandita e acabamos por deixar para outra oportunidade.
Quando nos deslocávamos para a carrinha via-se bem a nuvem de fumo que rodeava Santiago. Mas á saída de Santiago, na entrada da Auto-Estrada tudo à volta ardia, inclusivamente um troço da Auto-estrada esteve cortado pouco antes de lá passarmos. Era desolador pensar que nos dias seguintes os peregrinos não veriam algumas das belas florestas que nós [ainda] conseguimos ver.
Durante a viagem dormimos um pouco, o Barnabé sentiu-se mal e paramos numa área de serviço, depois de alguns enganos andamos a passear pelo centro de Vigo, apanhamos um trânsito desgraçado a chegar ao Porto e fizemos a parte final da viagem a cantar grandes clássicos da música nacional. Foi lindo.
Chegados ao Seminário esperamos pelas boleias e assim terminou a nossa aventura “A Caminho de Santiago”.


Em jeito de remate final deixo alguns conselhos práticos para quando pensarem fazer uma coisa destas:

- Façam a peregrinação a solo ou em grande grupo. Se o grupo for inferior a 10 elementos, para a coisa correr bem, este tem que ser homogéneo, principalmente em termos físicos;
- Usem calçado usado, bem moldado aos pés, e com sola espessa por causa das pedras;
- Caminhem nas horas mais frescas. Ainda assim não caminhar de noite para conseguir ver as marcações do caminho;
- Evitem fazer paragens. Parar só para as refeições, ajeitar a meia ou tirar uma pedrita e visitar uma igreja ou catedral;
- Caso sintam o pé a assar parem e lubrifiquem com Creme Gordo ou Vaselina. Se já tiver bolha ter um Compeed à mão dá sempre jeito;
- Conversem muito nas zonas de estrada [ajuda a passar os quilometros] e desfrutem da paisagem nas zonas rurais.

E como me disse o Xavi, peregrino madrileno que encontrei no Caminho em 2004, “lo Camiño se hace degustando e camiñando”. Com isto quis dizer que se só saboreamos não saímos do sítio e se só caminhamos chegamos ao fim vazios.

Sê Feliz.
Be Happy.

2006-08-19

Podem bater à vontade

Amiguitos.
Eu sei que estou em falta convosco. Não fiz do blog o meu diário de bordo na minha peregrinação, ainda não postei nada acerca desta, não postei nada da Actividade de Verão de Convivas, não tenho postado nada de nada.

A razão para isto é simples. Só hoje consegui uns minutos para escrever algo e mesmo agora já me estão a chamar para almoçar. Mas garanto que ainda esta tarde vou passar para cá o meu diário de bordo e talvez mais qualquer coisa. Por isso aguardem por mais notícias.

Sejam Felizes.