2007-06-23

Casar ou acasalar?

Já lá vai uma semana desde o “casório” dos meus amigos Pedro e Paula. Foi mais uma manifestação de amor entre aquelas duas pessoas a que eu tive o prazer de assistir. É raro nos dias de hoje ver um amor tão sincero. Por isso vou partilhar convosco um texto que li acerca da matéria.

DS

«Um encontro, … depois de muitos anos. Os cumprimentos, a conversa e as inevitáveis, saudáveis e saudosas recordações. Apesar da correria da vida, sempre se arranja um bocado de tempo para os amigos. No decorrer da conversa lembram-se os amigos, os companheiros. Toca a perguntar pelos outros… Fulano assim, sicrano assado, beltrano … Que é feito dele? Acabou o curso? É casado? … Inesperadamente a resposta, acompanhada de um sorriso algo malicioso, trouxe, não direi algo de novo, mas dito de uma maneira diferente: Vai-se casando. Não ficou por aqui a nossa conversa, trouxemos à memória os velhos tempos, como se costuma dizer, e … a despedida.
À alegria do encontro segue-se o caminho para casa. Devo dizer que um dos locais onde me apraz mais a divagação do pensamento é o automóvel. A música e as notícias que fui ouvindo não chegaram à minha consciência. Ia absorto comigo mesmo. Vai-se andando, vai-se estudando, vai-se vivendo, vai-se ficando mais velho. Parece que a vida vai acontecendo, parece que tudo vai correndo. Dá a impressão de que não há decisões a tomar, não há caminhos a percorrer, não há projectos a realizar. E fui pensando a vida e fui pensando como nós andamos no mundo assim como que … para ir andando. A superficialidade envolve-nos, a abordagem dos grandes problemas da vida é meramente acidental, os grandes desafios que se nos deparam são abordados apenas pela rama. A triste imagem de uma leviandade sem medida, de uma vida sem objectivos definidos, de um caminhar sem ideais capazes de nos atirarem para a frente, correndo os riscos, contestando opiniões, remando contra a maré.
Que lugar para as decisões assumidas e responsáveis? Que espaço para as necessárias tomadas de posição perante as realidades que nos cercam? Que linha de rumo seguir?
E entrei nesse mundo do vai-se casando… para me interrogar.
Em primeiro lugar, creio que seria mais correcto trocar a palavra casando por acasalando. Depois, gostaria de aprofundar esta ideia: casar é uma coisa, acasalar é outra! Na verdade, sinto que hoje as pessoas estão mais do lado do acasalamento do que do lado do casamento. Se olharmos com atenção à nossa volta, podemos mesmo ficar preocupados.
Casar é uma coisa, acasalar é outra, indiscutivelmente. Acasalar é ocasional, acidental, superficial. Não há casamento somente porque se unem, sexualmente, o masculino e feminino. Isso é acasalamento.
Casar é dar sentido a um projecto sério, alicerçado e de longo alcance. Casar é dar sentido ao amor vivido a dois na solidez do diálogo, da vida em comum, da felicidade que se pretende construir, embora conscientes das dificuldades que podem criar barreiras difíceis, mas sempre ultrapassáveis. Casar é fazer com que o desgaste natural da vida não perturbe a consecução dos objectivos e ideais desejados. Nada disto entra no acasalamento. Aí tudo é passageiro: desde os parceiros aos compromissos, desde as responsabilidades ao imediatismo dos prazeres. Tudo é corporal, tudo é satisfação leviana, tudo é sexo, tudo é … prostituição! É o ser humano reduzido ao irracional.
É o casamento, constituição estável da família, num projecto sério de relação, que humaniza a pessoa. Porque aqui entra também a alma: os sentimentos, as emoções, a partilha e o amor. O casamento é um desafio a uma comunhão total e permanente de vida, numa realização conseguida da sexualidade humana. Isto só pode ser entendido, se nos situarmos numa perspectiva de realização vocacional: É um caminho, livremente escolhido e assumido, que nos envolve o corpo e a alma numa linha de verdadeira procura da felicidade. E essa felicidade é possível, se nos sentirmos chamados a construí-la para bem dos dois e dos filhos.
Com princípios religiosos ou sem eles, o casamento é sempre um valor de elevada qualidade, porque envolve pessoas na relação mais profunda da sua dignidade humana: o amor.
Há, todavia, pessoas que nunca conseguirão fazer as outras felizes, porque não têm vocação para construir um lar, para acolher os outros, e, inevitavelmente, vão fazendo da vida um verdadeiro inferno, para si e para os outros.
Quantas desilusões, quantas separações, quantas divergências resultam da falta de projectos de vida, de adiamentos contínuos, e da falta de vontade de encontrar soluções estáveis! Quanto tempo perdido, quando, adultos, agimos com os critérios emocionais dos adolescentes. Dessa maneira, a própria fidelidade matrimonial pode não passar de um simples acasalamento.
É por isso que o casamento é uma questão de vocação, seguida e conseguida até às últimas consequências.

Costa Leite»