2006-09-22

Vale a pena pensar

"Já vai para 18 anos que estou aqui na Volvo, uma empresa sueca. Trabalhar com eles é uma convivência, no mínimo, interessante. Qualquer projecto aqui demora 2 anos para se concretizar, mesmo que a ideia seja brilhante e simples. É regra. Então, nos processos globais, nós (brasileiros, americanos, australianos, asiáticos) ficamos aflitos por resultados imediatos, uma ansiedade generalizada. Porém, nosso senso de urgência não surte qualquer efeito neste prazo.

Os suecos discutem, discutem, fazem "n" reuniões, ponderações. E trabalham num esquema bem mais "slow down". O pior é constatar que, no final, acaba sempre dando certo no tempo deles com a maturidade da tecnologia e da necessidade: bem pouco se perde aqui.

E vejo assim:
1. O país é do tamanho de São Paulo;
2. O país tem 2 milhões de habitantes;
3. Sua maior cidade, Estocolmo, tem 500.000 habitantes (compare com Curitiba, que tem 2 milhões);
4. Empresas de capital sueco: Volvo, Scania, Ericsson, Electrolux,ABB, Nokia, Nobel Biocare... Nada mal, não?
5. Para ter uma ideia, a Volvo fabrica os motores propulsores para osfoguetes da NASA.

Digo para os demais nestes nossos grupos globais: os suecos podemestar errados, mas são eles que pagam nossos salários.

Entretanto, vale salientar que não conheço um povo, como povo mesmo, que tenha mais cultura colectiva do que eles. Vou contar para vocês uma breve só para dar noção.

A primeira vez que fui para lá, em 90, um dos colegas suecos me pegava no hotel toda manhã. Era Setembro, frio, nevasca. Chegávamos cedo na Volvo e ele estacionava o carro bem longe da porta de entrada (são 2.000 funcionários de carro). No primeiro dia não disse nada, no segundo, no terceiro... Depois, com um pouco mais de intimidade, numa manhã, perguntei: "Você tem lugar demarcado para estacionar aqui? Notei que chegamos cedo, o estacionamento vazio e você deixa o carro lá no final." Ele me respondeu simples assim: "É que chegamos cedo, então temos tempo de caminhar - quem chegar mais tarde já vai estar atrasado, melhor que fique mais perto da porta. Você não acha?"

Olha a minha cara! Ainda bem que tive esta na primeira. Deu para rever bastante os meus conceitos.

Há um grande movimento na Europa hoje, chamado Slow Food. A Slow Food International Association - cujo símbolo é um caracol, tem sua base na Itália ( o site, é muito interessante. Veja-o! ). O que o movimento Slow Food prega é que as pessoas devem comer e beber devagar, saboreando os alimentos, "curtindo" seu preparo, no convívio com a família, com amigos, sem pressa e com qualidade.

A ideia é a de se contrapor ao espírito do Fast Food e o que elerepresenta como estilo de vida em que o americano endeusificou.

A surpresa, porém, é que esse movimento do Slow Food está servindo de base para um movimento mais amplo chamado Slow Europe como salientou a revista Business Week numa edição europeia.

A base de tudo está no questionamento da "pressa" e da "loucura" gerada pela globalização, pelo apelo à "quantidade do ter" em contraposição à qualidade de vida ou à "qualidade do ser".

Segundo a Business Week, os trabalhadores franceses, embora trabalhem menos horas (35 horas por semana) são mais produtivos que seus colegas americanos ou ingleses.

E os alemães, que em muitas empresas instituíram uma semana de 28,8 horas de trabalho, viram sua produtividade crescer nada menos que 20%.

Essa chamada "slow atitude" está chamando a atenção até dosamericanos, apologistas do "Fast" (rápido) e do "Do it now" (faça já).

Portanto, essa "atitude sem pressa" não significa fazer menos, nem ter menor produtividade.

Significa, sim, fazer as coisas e trabalhar com mais "qualidade" e"produtividade" com maior perfeição, atenção aos detalhes e com menos "stress".

Significa retomar os valores da família, dos amigos, do tempo livre,do lazer, das pequenas comunidades, do "local", presente e concreto em contraposição ao "global" – indefinido e anónimo. Significa a retomada dos valores essenciais do ser humano, dos pequenos prazeres do quotidiano, da simplicidade de viver e conviver e até da religião e da fé.

Significa um ambiente de trabalho menos coercivo, mais alegre, mais "leve" e, portanto, mais produtivo onde seres humanos, felizes, fazem com prazer, o que sabem fazer de melhor.

Será que os velhos ditados "Devagar se vai ao longe" ou ainda "Apressa é inimiga da perfeição" não merecem novamente nossa atenção nestes tempos de desenfreada loucura?

Será que nossas empresas não deveriam também pensar em programas sérios de "qualidade sem pressa" até para aumentar a produtividade e qualidade de nossos produtos e serviços sem a necessária perda da "qualidade do ser"?

Ninguém tem mais nem menos que 24 horas por dia. A diferença é o que cada um faz do seu tempo. Precisamos saber aproveitar cada momento, porque, como disse: John Lennon, "A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos para o futuro"...

Gostaria de que você pensasse um pouco sobre isso...

Texto escrito por um brasileiro que vive na Europa.

2 Comments:

At 26/10/06 20:05, Blogger paulo said...

Bom...o texto9 está excelente.
È uma lição de gestão cuidada e refinada!!!
O que interessa são os resultados,mas socialmente muito mais importantes se advir um beneficio para todos dos nossos comportamentos laborais! E a Suécia..:BOm.. Que povo interessante!!!!
Abraço!!

 
At 30/10/06 12:38, Blogger Fabituh said...

Bom o texto está muito interessante.Principalmente a parte de estacionar o carro, que é completamente o contrário daquilo que eu faria!Acho que temos de repensar a nossa forma de pensar a nossa vida!
abraço amigo

 

Enviar um comentário

<< Home